A Caixa de Fósforos
 
Em um cruzamento de ferrovia sentei e esperei pelo Diabo, ele estava no final da estrada, o sol comia a pele do meu rosto, suado e cansado, deixei de ver a imagem dele distorcida pelo vapor do chão, e fiquei a olhar para baixo, algum tempo depois, já bem perto de mim, ele cospe do lado e pergunta:

"- O quê faz aqui?"

"- Vim te ver, quero saber sobre a caixa de fósforos."

"- Não posso te devolver, você está aceso, irá acender todos os outros palitos."

"- Ok, conheço essa regra, mas vamos, deixe-me ver se ela está contigo."

O Diabo - vestido com uma calça de algodão marrom esfarrapada - põe a mão no bolso
da camisa listrada, tira a caixa de fósforo e a ergue para que eu a veja.

"- Sim, agora me dê ela aqui."

"- Não, eu não posso fazer isso."

"- Vamos Diabo, me dê essa porcaria de caixa."

"- Não, ela é minha e você não pode acender todos os palitos de uma só vez."

O Diabo então ajeitou o chapéu de pano, colocou a caixa no bolso novamente, e me perguntou:

"- Para que você a quer?"

Não aguentei, e como viciado em plena fissura, comecei a chorar sem dignidade, e só depois de tentar esconder o rosto com os punhos, amassando meus olhos em um impedir que a vergonha se alastrasse, terminei então desmanchado em falas sem sentido e desesperadas, babando cada palavra em meio às lágrimas:

"- Eu cansei."

"- Eu cansei!!! Tá bom?? Eu cansei!!!"

"- Não quero mais essa porra de ficar aceso."

"- Você não pode mais fazer isso comigo, eu cansei desgraçado!!!"

O Diabo esperou que eu repetisse algumas palavras e que eu chorasse até nem mais soluços sobrarem em mim. Quando eu já sem força, sem respostas, sem perguntas, sem dignidade, só com ele diante dos meus olhos, foi que então disse:

"- Dormirá aceso e morrerá aceso filho da puta."

"- Essa caixinha que guardo vou acender todas as palhas do mundo ao teu redor, colocarei nome teu em cada fogueira ridícula e fumacenta."

"- Você vai se achar o começo e o fim de grandes obras, vai acreditar em cada montinho de possibilidades, e eu vou por trás incendiando outros para te animar em festa só minha, ah! De qual idéia você acha que tiraram o inferno?"

"- Agora vá, pegue seu caminho, ainda tem muitos fósforos queimar tua vida."

"- Vou te acender em cada montinho de gente, de idéias, de estradas."

Meus sons de choro ainda fugiam do meu nariz e boca, guardei uns segundos com a resposta no meu olhar bem rente ao do Diabo, então coloquei minha mão na cintura por trás, e saquei uma arma, para então quando apontada pra ele dizer:

"- Não!!! Não fará mais isso comigo."

Sorriu e ouvi sua resposta:

"- Achas que pode me matar?"

Dei tantos tiros quanto tinham no revólver, ele caiu ensangüentado no chão, engasgando com o próprio sangue e dentes, aposto que se perguntou como eu consegui essa proeza.

Tirei a caixinha de fósforos do bolso dele, e todos os palitos acenderam ao mesmo tempo, os joguei sobre o corpo debatente de Satanás, e cuspi minha derradeira chama:

"- Você é a última fogueira que acendeu."

sábado, 1 de março de 2008 - 06:24

            Lopes Castro Gustavo


 
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