O Fim dos Exércitos
 
Acabaram as guerras, e os exércitos foram dissolvidos em populações frustradas, mesmo os vencedores estavam de alguma forma perdidos. Vagavam pelas ruas e escarpas sem suas bandeiras, sem seus generais ou suas metas de morte, chegaram até cachoeiras e preciptavam-se um a um porque terminou o tempo de pelear, o triste fim de seus motivos trouxe-lhes o sepulcro para carregar, e tão pesado era o significado vazio que as cachoeiras eram transformadas em imensos lagos sem fundo.

Os homens iam caindo, um a um, um sobre o outro, fazendo estrondos terríveis como casas demolidas no inferno de canhão, e depois dessas homenagens a si mesmos dormiam um sono profundo sem que pudesse qualquer vontade de vida acordar. Chegavam mais e mais desses pobres homens desempregados, traziam consigo mais peso e mais profundidade ao lago criado, o buraco avançava procurando Satã e não havia água que chegasse à beira, o despenhadeiro ficava cada vez mais alto, até que o último soldado se aproximou e sentiu a brisa fria que vinha de dentro, já não se ouvia mais onde a água caia, e nenhum estrondo sobrou em eco, tudo houvera enfim terminado, sobrando somente esse derradeiro homem, já sem sua família de batalha, e ele se sentiu tão plenamente leve que poderia sobreviver a si mesmo, não havia mais testemunhas de seus anos de bravura, glória e manchas desonradas, enfim um lago verdadeiramente fundo engolira todos os gritos e medos que provocou, na terrivel sepultura ele via seu nome ser gravado com a letra de cada bom homem que morreu.

Antes de se afastar para retornar a uma qualquer vila preocupada com os velórios de seus passados, acendeu uma vela na beira mais ousada do penhasco, a parafina corria quente pelo braço de fogo, e se aventurava cadente no sentido da queda d'agua, e ao término de tudo haveria de encontrar um rosto arrependido mas sem chance de chorar, para continuar seu caminho e petrificar-se no frio de um corpo sem os calores de guerra, uma gotícula de cera como último disparo contra quem que ali restava sem nenhuma homenagem justa a seus fins.

Escreveram sobre os exércitos os povos seguintes, escreveram até não mais valer a lembrança, e relembraram de um jeito que revivia mortos, e mortos iam brotando como de sepulcro as cachoeiras, para ficar pesado todo o mundo, nem mais velas serem acesas, ou a história poder ser nova. As lembranças então foram fabricadas para ninguém tê-las, tudo virou uma só cova, e enfim a água chega à beira.

sexta-feira, 11 de abril de 2008 - 17:39

            Lopes Castro Gustavo


 
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